Friday, June 09, 2006


MEDIA
Poder ou contrapoder?

Ao longo dos últimos vinte anos tem vindo a estreitar-se a colaboração entre os agentes da globalização económica e dos meios de comunicação de massas.

A verdade é que os primeiros já não vivem sem os segundos, uma vez que a "revolução económica" com vista à formação de uma Aldeia Global, a favor da abertura de novos mercados onde quer que eles se encontrem, acelerou e se desenvolveu graças à revolução tecnológica nos meios de comunicação, com que interage de uma forma cada vez mais conivente e interdependente.

Uma parceria valiosa, dado que o enorme avanço tecnológico dos media, nomeadamente através da grande "auto-estrada" da comunicação que é a Internet, como alguém lhe chamou, permite fazer circular, a grande velocidade, uma diversidade e quantidade de informação nunca antes imaginada que, em poucos segundos, chega aos lugares mais longínquos do planeta.

Esta abundância de informação é preciosa para vender mais; para explorar mercados desconhecidos, e é nela que repousa a prosperidade crescente dos grupos económicos dominantes, que operam à escala planetária, a cujos interesses se subordinam a grande maioria dos media de todo o mundo, com prejuízo de critérios de isenção, justiça e ética, segundo críticos e observadores.

Que papel?

Tem sido precisamente ao serviço destes grupos, dizem alguns analistas, que se perdeu o espírito inicial da comunicação social. No mundo ocidental, civilizado e moderno, saturado de altas tecnologias, a "voz das pessoas sem voz", como o definiu o sociólogo espanhol Ignacio Ramonet, o "quarto poder" que é representado pelos media, está longe de ser o que era ou, pelo menos, de exercer as anteriores funções segundo os princípios em que se fundou.

É verdade que, durante décadas, foi uma força indispensável contra os abusos de poder, cabendo-lhe repor as verdades, dar voz às críticas, denunciar injustiças e revelar segredos incómodos. Durante muito tempo, a seu cargo esteve, em contextos democráticos, a regulação dos excessos dos poderes legislativo, executivo e judicial, naturalmente susceptíveis de errar, como sublinha o sociólogo espanhol.

E também é verdade que a sua intervenção é muitas vezes determinante nos regimes ditatoriais, em que a violação dos direitos fundamentais dos homens é prática comum, em que a informação é, por norma, pouco credível e em que poucos se atrevem a discordar da autoridade imposta, divulgando as suas opiniões ou denunciando violências e injustiças.

Não foram raros os jornalistas que pagaram com a vida a coragem das suas denúncias, como ainda acontece, por exemplo, nalguns países da América do Sul. Mas, entretanto, e muito depressa, muita coisa mudou. De tal forma que o papel de denúncia e defesa da justiça, a favor do bem comum, foi-se tornando progressivamente mais difuso, até chegar a um certo esvaziamento das funções principais do jornalismo. Para isso tem contribuído, em boa medida, a esmagadora quantidade de informação difundida graças à evolução tecnológica, que tem tornado o papel do "quarto poder" cada vez mais confuso, porque em causa estão cada vez mais confrontosde interesses, entre "o mercado e o Estado, entre o sector privado e os serviços públicos, entre o indivíduo e a sociedade, entre o íntimo e o colectivo, o egoísmo e a solidariedade", declara Ramonet.

Imagem e símbolos de poder.

Na dinâmica gerada pelos confrontos e interesses de que nos fala Ramonet e que domina as sociedades modernas, o poder da imagem foi crescendo e hoje é imenso. As imagens certas no momento certo "vendem" qualquer produto, económico, social ou político. E embora as imagens sugeridas pela escrita ou pelo som possam ter imensa força, como é visível na imprensa escrita ou radiofónica, não há veículo mais eficaz para a construção e difusão de uma determinada imagem do que a televisão.

A força e a eficácia destes meios leva a que o poder político, em particular, tenha vindo a procurá-los cada vez mais, no sentido de fazer chegar ao público imagens que o promova adequadamente. Sucesso e poder andam de mãos dadas, ou seja, um é consequência do outro e vice-versa. E ambos são tanto mais ambicionados quanto é certo vivermos numa sociedade profundamente narcísica, em que é muito comum a necessidade permanente de compensação para males bem mais profundos e sombrios, que se escondem, justamente, em certas personalidades particularmente "mediáticas".

Quanto maior é a descompensação, dizem os especialistas, maior é a apetência pelo poder e maior a dependência de difusão de um certo tipo de imagem. Daí a corrida aos media, numa permanente tentativa de sedução, frequentemente associada a símbolos de poder que muitos usam numa luta obsessiva pela visibilidade. Já não chega um "minuto" de fama. Querem todo o tempo de "antena" possível. Por isso, procuram-lhes os favores, e tentam todos os truques para "aparecer" e convencer o público. Hoje, toda esta dinâmica, diz o sociólogo francês Rémy Rieffel, "mudou as estratégias de comunicação", e sobretudo, acrescentamos, as "práticas políticas".

Contrapoder?

Como forma de oposição a este alarmante "envenenamento" da opinião pública pelas forças mediáticas "vendidas" a variados poderes, Ramonet insiste na possibilidade de se vir a criar um novo contrapoder uma vez que os media, particularmente a televisão, já não correspondem ao conceito inicial de mediadores de informação.

É preciso salvaguardar o que resta da liberdade e isenção iniciais, até porque essa mesma liberdade "não é mais do que uma extensão da liberdade colectiva de expressão, fundamento da democracia". Para isso, considera indispensável" desenvolver uma reflexão sobre a maneira como os cidadãos podem exigir aos media mais ética, ver-dade e respeito por uma deonto-logia que permita aos jornalistas agir em função da sua consciência e não em função dos interesses dos grupos financeiros, das empresas e dos patrões que os empregam".

Este seria o quinto poder, o dos cidadãos responsáveis e elucidados sobre o mundo e as questões que os rodeiam. E uma tentativa de acabar com toda "a espécie de imposturas, boatos, deformações, distorções, manipulações". Por outro lado, Rieffel declara que "não há ditadura dos media", mas sim uma ditadura as audiências. E uma forte influência sobre os políticos que, entretanto, têm vindo a mudar o seu comportamento, apostando na construção e veiculação de determinadas imagens, tudo isto evidenciado pelas próprias características do "tempo mediático": curto, emero, directo e instantâneo, segundo as suas palavras. "É uma lógica que leva ao espectáculo ", em suma.

Educação e profissionalismo.

Grande parte da aposta do sociólogo francês para ultrapassar a " lógica do espectáculo" mediático e tentar anular os seus efeitos mais negativos assenta na necessidade de se fazer, junto dos jovens, "uma educação para os media", ou seja, Rieffel clama pela urgência de educarmos os nossos filhos o sentido de os ensinar a "descodificar a imagem" como ela se apresenta aos nossos olhos. É preciso levá-los a perceber que nem tudo o que vêem é verdade, que existem montagens da realidade e, sobretudo, fazê-los tomar consciência das dinâmicas escondidas inerentes à promoção pessoal.

É preciso desenvolver nos mais novos o sentido crítico e o distanciamento que lhes permita olhar para lá das aparências.

Outra aposta é a da formação dos jornalistas. Nela, Rieffel coloca a sua maior esperança, defendendo que" um jornalista é tanto mais competente quanto melhor compreende o assunto sobre que fala". O que joga a favor de uma atitude cada vez mais profissional, sempre na tentativa de informar com justiça e imparcialidade, tendo em coma uma série de princípios.


Texto de Ana Vieira de Castro

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